Cabo Frio é uma cidade dividida. Desde a prisão de Glaidson Acácio dos Santos, acusado de comandar um bilionário esquema de pirâmide financeira que teria braços até no exterior, a população da cidade na Região dos Lagos (RJ) não fala em outra coisa.
As discussões se estendem a grupos de Whatsapp, nos quais brigas se tornaram comuns por causa das investigações da Polícia Federal. Muitos estão sendo bloqueados por amigos e familiares nas redes sociais. De um lado, um ruidoso grupo defende Glaidson, alçado à condição de uma espécie de “messias” financeiro, que costuma dizer que o dono da GAS Consultoria sempre honrou os pagamentos dos dividendos: 10% mensais.
Muitos foram às ruas da cidade pedindo a libertação de Glaidson. De outro lado, moradores que sempre foram céticos quanto às atividades do “Faraó” dos Bitcoins, como Glaidson foi apelidado, e que reforçaram os ataques após a sua prisão em condomínio da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.
A fé no “faraó das criptomoedas” contagia até quem já foi vítima de pirâmide financeira em Cabo Frio. O suposto retrospecto de bom pagador ao longo dos nove anos de operação da GAS Consultoria é um dos principais argumentos a favor do esquema. Os rendimentos pagos mesmo depois da prisão de Glaidson reforçaram essa confiança.
– Eu já perdi dinheiro em pirâmide. Havia uma empresa que operou por dois anos e me causou um prejuízo de uns R$ 10 mil. Eles anunciavam na mídia, prometiam bons lucros também sobre rendimentos de transações em criptomoeda, apareciam na mídia, passavam confiança, mas a GAS é diferente. Eles já operam há quase 10 anos, nunca deixou de pagar ninguém. Eu resolvi arriscar. Peguei um empréstimo de R$ 15 mil e investi R$ 10 mil. Consegui pagar a dívida no banco e ainda lucrei – conta um corretor de imóveis, de 39 anos, morador de Cabo Frio.
A valorização do Bitcoin na última década, que passou de US$ 5, em 2011, e hoje gira em torno de US$ 50 mil, é outro pilar da argumentação a favor.
– A criptomoeda (Bitcoin) valorizou mais de 500% nos últimos anos, 10% não é nada – acredita uma artesã de 42 anos, que nunca investiu na GAS, mas por falta de oportunidade: – Infelizmente não tive dinheiro, se tivesse investiria, com certeza.
O jornalista Filipe Rangel, de 30 anos, nascido e criado em Cabo Frio, disse que foi surpreendido ao acompanhar todo o caso do outro lado do mundo, na Austrália, país que escolheu para viver pouco antes da pandemia de Covid-19. Ele é um dos céticos quanto ao esquema de investimentos montado pela GAS.
– Eu acho que as pessoas se emocionam com dinheiro fácil, mas se esquecem do básico: toda pirâmide vai funcionar até entrar em colapso. O Caso do (Bernard) Madoff, por exemplo, funcionou por décadas e ele, que começou operando na bolsa de valores, passou a alimentar o esquema só com o fluxo de investidores, mas, quando veio a crise de 2008, desandou porque o volume de saque era muito grande, e não havia fundo garantidor – explica, acrescentando que conhece muitas da cidade pessoas que acreditam na GAS, mas não têm muito conhecimento sobre finanças.
Outros indícios de pirâmide, como a falta de transparência nas operações e os depósitos mensais feitos a partir de diferentes CNPJ, chamam atenção dos investidores mais preocupados. Por outro lado, há aqueles que sempre trataram a GAS Consultoria como um risco que poderia valer a pena.
– Nunca acreditei cegamente. Sempre vi algo suspeito, mas aproveitei rendimentos que obtive operando pessoalmente no mercado financeiro para arriscar, de forma despreocupada e tentar garantir mais lucros. Eu ainda não tenho uma opinião formada sobre o assunto. Ao mesmo tempo que sinto falta de transparência na GAS, sinto que falta também consistência nas acusações da Polícia Federal. Mas o que parecia um dinheiro fácil, hoje eu torço para que não se tornem prejuízo. Se eu sair no zero a zero, estou satisfeito – conta o advogado de 38 anos que prefere não ser identificado.
FONTE: PORTAL VIU